A tragédia da surdez anunciada

A tragédia da surdez anunciada
Em 2001, um grupo de médicos saiu pelo Brasil para medir a audição do brasileiro comandado pelo professor Ricardo Bento, da USP, o projeto era bancado pelos ministérios da Educação e Saúde. Descobriu-se que 18% dos estudantes não ouviam direito, boa parte deles apenas porque não sabiam limpar direito o ouvido. Não limpar direito significa usar uma série de instrumentos, entre os quais o cotonete, que empurram a cera para dentro, formando uma espécie de rolha. Um tratamento de apenas 30 segundos. Retirando essa cera resolveria o problema e a criança voltaria a ter audição.

Daí se vê como medidas simples poderiam estimular milhões de estudantes a ter um desempenho melhor. Digo milhões porque, nas escolas, há milhões de jovens que não enxergam direito pela falta de um par de óculos, não se concentram porque são anêmicas ou porque sentem dor de dente. São problemas simples de serem tratados; simples e baratos. Bastaria ampliar os programas de saúde para a escola e evitar um enorme sofrimento em crianças e adolescentes que não conseguem aprender porque o ouvido está entupido de cera. Criam-se indivíduos com baixa possibilidade de conseguir um emprego e alto risco de cair na marginalidade. A surdez é mais um caso da nossa estupidez das tragédias anunciadas.

Gilberto Dimenstein, 48, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha Online às terças-feiras.